11.11.2006

XV CONGRESSO DO PARTIDO SOCIALISTA

INTERVENÇÃO DE JOSÉ LEITÃO

Caro Presidente
Caro Secretário-Geral
Caras e caros camaradas

O Partido Socialista assume a responsabilidade do governo, mas o seu passado, o seu presente e o seu futuro não se esgota nesta sua actuação.
Está confrontado com uma gestão difícil, em que tem que fazer face aos constrangimentos financeiros e vencer o défice, enfrentar resistências de interesses instalados, salvaguardando a razão de ser da sua luta e da sua própria existência.
Por isso mesmo entendemos que é necessário interrogarmo-nos neste Congresso sobre como conjugar aqui e agora os valores da solidariedade e da cidadania. É à luz destes valores que temos de reflectir sobre as razões que justificam as políticas que estamos a concretizar.
O presente do Partido Socialista não se esgota nesta participação. Milhares de militantes socialistas estão simultaneamente empenhados no movimento sindical, nas autarquias, nas Regiões Autónomas, em movimentos juvenis, nas escolas, em diversas associações, em instituições de solidariedade social, em movimentos e causas cívicas. Estes militantes sentem de forma mais intensa os sinais transmitidos pelos cidadãos sobre a actuação do governo.
Ninguém deve ter dúvidas que as políticas do governo são muito diferentes das que seriam prosseguidas por um governo de direita, basta ver as propostas do Compromisso Portugal, mas isso não nos pode inibir de nos interrogarmos sobre algumas das opções e de dizer, com clareza, aquilo com que não estamos de acordo.
Preocupa-me a ausência de perspectiva estratégica no que se refere à reforma da Administração Pública. Devíamos começar por definir quais são para nós as tarefas fundamentais do Estado. O corte da despesa deveria estar subordinado a uma visão política geral.
Os critérios para avaliar os serviços do Estado não têm que ser necessariamente os custos e a produtividade, mas sim a capacidade de inovação e a rapidez de resposta a novas situações. O governo parece agir na convicção de que só depois de reabilitadas as finanças públicas é que poderá concentrar-se nas tarefas fundamentais do Estado.
Isto significa que o governo não tem qualquer projecto político socialista de reformas para esta área, pois a definição das tarefas fundamentais do Estado é que deveria determinar a reabilitação das finanças e não o inverso. Não faz sentido cortar só por cortar. E há áreas onde até é necessária mais despesa e não menos.
Também não basta legitimar todas as reformas em nome de um ambíguo interesse geral, manifestando apenas uma vaga preocupação com os «doentes», «os mais pobres» e «as famílias com mais dificuldades». Desta forma corre-se o risco de atirar fora o menino com a água do banho.
O Estado - providência tem de continuar a ser definido como um direito para todos, incluindo a classe média, como o é nos países nórdicos e não a dispensa de migalhas aos pobres. Adoptar medidas de restrição fiscal como foi feito relativamente aos deficientes só contribui para acentuar as divisões sociais, a desconfiança entre os cidadãos e para criar guetos sociais.
Ora o que nós precisamos é de mais cooperação para as tarefas do desenvolvimento, entre trabalho e capital, entre empregadores e assalariados, entre serviços e empresas.
Receio que só uma minoria vá beneficiar de uma reforma da Administração Pública que se confunda com uma redução cega da massa salarial, a minoria dos poderosos desta terra e da nova casta de quadros e gestores. Mas a classe média e os trabalhadores em geral, quase toda a gente, o que espera do governo é mais serviços do Estado e não menos, para fazer face à insegurança do quotidiano e às mudanças abruptas do mercado.
Nos contactos com os militantes sentimos, que há uma lúcida percepção dos constrangimentos a que o governo está sujeito, mas também uma grande preocupação com a necessidade de não sermos insensíveis aos sinais de crispação que nos vêm da sociedade, que envolvem sectores que fazem parte da nossa tradicional base social, e uma discordância frontal relativamente a um conjunto de medidas que o governo insiste em adoptar.
Muitos militantes preocupam-se com o facto do Partido Socialista não funcionar como uma instância crítica da actuação governativa, incapaz de gerar propostas para construção de um Portugal socialista no actual contexto europeu e mundial.
Não cabe ao governo desempenhar esse papel, é uma tarefa que cabe ao Partido Socialista.
Muitos militantes consideram que o socialismo não é uma ideia vaga, é uma referência viva, que as preocupações com a justiça social, a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a fraternidade, não são apenas atributos das políticas sociais, mas que têm de estar no cerne de todas as reformas, e que é isso que distingue o ser socialista aqui e agora, do liberalismo com retórica social.
O prosseguimento de uma política socialista de reformas vai exigir um governo legitimado por uma maior ligação efectiva à sociedade civil.
O segredo para o desenvolvimento dos países nórdicos foi o reforço das parcerias entre as associações sindicais e patronais e o Estado. Não podemos falar a propósito e a despropósito de corporações.
Ao fazê-lo estamos a hipotecar essa possibilidade de parceria. Muitas das ditas corporações nada mais são que associações de grupos sociais, que temos de encontrar forma de associar às nossas políticas reformistas.
O Partido Socialista tem de sair mais forte e mobilizador deste Congresso, o que acontecerá se sair daqui mais aberto aos movimentos sociais, e ao diálogo com os sindicatos, mais capaz de contribuir para a modernização do tecido empresarial, e a concertação social a todos os níveis.
Perante o avolumar da contestação social, sem um partido forte e mobilizador, por mais retórica anti-lobie que produza, qualquer partido tenderá a apoiar-se nos mais poderosos, nas «elites», e a promover uma política de «dividir para governar».
Não creio que seja este o caminho que devemos trilhar.
Muita coisa está a ser bem feita e solidarizamo-nos, designadamente com a recusa em aceitar um pacto com o PSD em matéria de Segurança Social, mas entendemos que o Congresso não pode ser um comício unanimista.
A moção do camarada José Sócrates é um relatório do que tem sido a sua actuação no governo. O discurso de ontem foi um pouco mais longe, mas cabe-nos continuar a reflectir sobre as políticas que estão a ser concretizadas.
Pensamos que os socialistas não podem ir a reboque de agendas mediáticas ou outras que ignorem a questão central de como prosseguir a construção de uma sociedade solidária, em que os cidadãos participem na construção do futuro colectivo.
Não irão ser discutidas neste Congresso as alterações estatutárias. O que nos preocupa nessa matéria é como melhorar o funcionamento do Partido Socialista.
Temos de estar atentos às perversões que ameaçam os partidos políticos. Os partidos não podem ser meros instrumentos de conquista e manutenção do poder, nos quais o clientelismo e o carreirismo aparelhístico substituem a convicção genuína e a luta por valores e causas.
Temos na nossa frente a oportunidade histórica de reinventar o socialismo. Não podemos perder esta oportunidade, mas isso exige que a solidariedade e a cidadania sejam o motor da nossa acção.

Viva o Partido Socialista!